Introdução: O Novo “Craque” da Moda

De repente, parece que todo mundo tem TDH. É a nova febre. O craque social, mas com laudo. Antes, quando alguém se esquecia de pagar uma conta ou perdia o fio da conversa, a gente dizia “fulano é distraído”. Hoje, não: fulano tem TDH. Não é mais bagunça mental, é transtorno. Não é mais falta de foco, é diagnóstico.

E aqui começa a provocação: será que estamos falando de um transtorno legítimo ou de uma desculpa bem embrulhada para a vida moderna, que já é naturalmente caótica?

O filósofo Michel Foucault já dizia que cada época inventa suas doenças, seus rótulos e seus mecanismos de controle. Na Idade Média, o sujeito inquieto era possuído pelo demônio; no século XIX, era chamado de histérico; hoje, é diagnosticado com TDH. Mudam os termos, mas a sensação é a mesma: a gente precisa nomear aquilo que incomoda, para dar a ilusão de que controlamos o caos.

Só que agora tem um detalhe moderno: o laudo virou um passe VIP. Ele abre portas, garante “vantagens” em concursos, provas e até justificativas sociais. O crachá do “não é minha culpa, é o meu transtorno”. O diagnóstico virou quase um acessório fashion, como quem carrega um iPhone de última geração: sinaliza que você pertence ao clube dos que têm “explicação científica” para suas falhas.

Claro, há quem sofra de verdade com o transtorno. Mas entre quem realmente padece e quem usa o TDH como desculpa para ser indisciplinado, a linha ficou tão fina que parece fio dental.

E cá entre nós: às vezes dá a impressão que estamos menos preocupados em viver melhor e mais obcecados em arranjar um carimbo que justifique porque a vida não anda.

O que é, afinal, esse tal de TDH?

Antes de mais nada: TDH significa Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A sigla é chique, mas a definição é bem simples — é quando a mente parece um canal de TV com o controle remoto travado no zapping eterno. Nunca para, nunca fixa, nunca desliga.

A psiquiatria classifica o TDH como um transtorno do neurodesenvolvimento. Traduzindo: não é “frescura” e nem “mania”, é um padrão de funcionamento cerebral que aparece desde cedo, geralmente na infância, e acompanha a pessoa pela vida adulta. Alguns ficam mais na parte da desatenção (a cabeça sempre viajando em outra galáxia), outros na hiperatividade (movimento e energia sem fim), e outros juntam os dois — o famoso combo “mente no espaço + corpo em movimento”.

Mas aí vem o ponto filosófico: onde termina o transtorno e começa o jeito humano de ser?

Porque, convenhamos: quem nunca se pegou incapaz de terminar um livro, checar o celular a cada dois minutos, ou sentir que a mente está mais bagunçada que o guarda-roupa depois de uma segunda-feira? O filósofo Kierkegaard falava da angústia do homem moderno: excesso de possibilidades, incapacidade de escolher. Será que o que chamamos de “desatenção patológica” não é apenas a cara mais explícita dessa angústia cotidiana?

E aqui entra a parte curiosa: a medicina precisa de critérios. Então, para diferenciar a “distração normal” do “transtorno clínico”, criaram listas de sintomas — esquece coisas com frequência, não consegue manter atenção em tarefas, se dispersa fácil, se mexe demais, interrompe conversas… (parece descrição de metade da humanidade pós-WhatsApp).

Ou seja, o TDH existe, é real, tem base científica. Mas o diagnóstico, muitas vezes, pode se confundir com o simples fato de que vivemos numa era em que tudo e todos competem pela nossa atenção. O filósofo Byung-Chul Han já escreveu sobre isso: a “sociedade do cansaço” e da hiperestimulação. Talvez, no fundo, a gente não esteja mais doente — só esteja vivendo num mundo impossível de focar.

De onde veio essa história?

Pois é, meu caro leitor… você deve estar pensando: “Mas esse negócio de TDH surgiu agora, junto com celular, TikTok e café gelado da Starbucks?” Não. A história é mais antiga do que você imagina.

Lá no século XVIII já existiam descrições de crianças “agitadas demais”, “desatentas”, “incapazes de seguir instruções”. Obviamente, naquela época, não havia “transtorno”: tinha era chinelada e missa. O menino que não parava quieto era “malcriado”, o adulto que se esquecia de tudo era “desleixado”.

Aí entra o século XX, com sua obsessão em catalogar tudo (de doenças a comportamentos), e pronto: nasce a ideia do Déficit de Atenção. Em 1902, um médico britânico descreveu o que chamou de “defeito do controle moral” em crianças que não obedeciam regras. Moral, veja só. O problema não era químico, era ético. Traduzindo: se você não conseguia se concentrar, era porque tinha falha de caráter.

Com o tempo, a psiquiatria foi refinando a coisa. Décadas depois, já não falavam em “moral” (graças a Deus), mas em funções executivas e neurotransmissores. Mais elegante, mais científico, mas a essência era a mesma: tentar explicar porque algumas pessoas simplesmente não conseguem manter foco no que “deveriam”.

E então veio o boom: anos 80 e 90, com a indústria farmacêutica oferecendo remédios que prometiam “normalizar” esse cérebro inquieto. Resultado? A medicalização em massa. Crianças agitadas, adolescentes ansiosos, adultos improdutivos… todos entraram na fila do diagnóstico.

Agora, cá entre nós: não parece curioso que um transtorno ganhe destaque justamente numa época em que o capitalismo exige foco, produtividade e performance máxima? Será que o TDH não é apenas o nome sofisticado que a ciência encontrou para batizar o simples fato de que ser humano não foi feito para virar máquina de concentração eterna?

Pensa comigo: se Platão vivesse hoje, provavelmente seria acusado de ter TDH. Afinal, ele não conseguia parar de filosofar, se perdia em diálogos intermináveis e pulava de ideia em ideia. Só que, naquela época, chamaram isso de “filosofia”. Hoje, provavelmente seria “transtorno do déficit de atenção”.

Então eu te pergunto: será que estamos diagnosticando cérebros diferentes… ou apenas punindo mentes que não se encaixam no padrão que a sociedade inventou?

O cérebro sob ataque (ou sob desculpa?)

Ah, o cérebro… aquele orgãozinho que te faz rir, chorar, procrastinar e, às vezes, esquecer o próprio nome. No TDH, ele é um verdadeiro parque de diversões desregulado.

Tecnicamente, o problema gira em torno da dopamina, o neurotransmissor da recompensa e motivação. Pessoas com TDH têm menos sensibilidade a ela, o que significa que tudo que é monótono ou repetitivo parece uma tortura sem fim. Fazer lição de casa? Uma eternidade. Assistir reunião de duas horas? Uma viagem ao inferno.

E não para aí. O córtex pré-frontal, que é tipo o CEO do cérebro, responsável por planejar, organizar e segurar as pontas, funciona diferente. Ele não está quebrado — apenas opera em outro ritmo. E isso explica a dificuldade de manter atenção, controlar impulsos e organizar tarefas.

Mas aqui vem a parte filosófica, que eu sei que você adora: a ciência explica, mas não julga. Só que a sociedade, ah… essa adora julgar. E é aí que entra o laudo como desculpa ou escudo. Se você não consegue terminar algo, não é preguiça ou falta de método, é TDH. Mas será que sempre é? Ou será que algumas pessoas só não querem lidar com a disciplina necessária para viver numa sociedade que exige foco absoluto?

A ironia é deliciosa: enquanto o cérebro se ajusta a um mundo acelerado, o mundo espera que ele seja perfeito. E, no meio disso, surge o diagnóstico de TDH como remédio social. Ele pode ser verdadeiro, científico e legítimo, mas também virou carta branca para a própria incapacidade de se adaptar, se você quiser ver assim.

Pensa comigo: talvez o TDH seja tanto uma condição real quanto um espelho do mundo em que vivemos. Um mundo feito para distraídos, acelerados e sobrecarregados, mas que insiste em punir a mente humana por ser… humana.

A cultura do Laudo: TDH virou passe livre?

Ah, chegamos na parte divertida — e um pouco irritante — do espetáculo: o laudo como passe VIP da vida moderna. Você já deve ter visto: tem gente que consegue justificativa para tudo com um simples papel carimbado. “Não entreguei o trabalho? TDH.” “Cheguei atrasado? TDH.” “Comi pizza no café da manhã? Bom, também TDH…”

Não me entenda mal: existem pessoas que sofrem de verdade. Mas a linha entre o transtorno real e a desculpa conveniente está cada vez mais tênue. Parece que, hoje, ter TDH é quase cool. Um símbolo de pertencimento à sociedade “sobrecarregada, distraída e hiperestimulada”.

E aqui entra o tempero filosófico: a moda do diagnóstico revela mais sobre a sociedade do que sobre a mente individual. Foucault provavelmente adoraria essa parte — um mundo em que a ciência, a medicina e o rótulo social se entrelaçam para regular comportamento, mas com um bônus: um laudo que te protege da culpa pessoal.

O problema? A banalização. Quando todo mundo tem TDH, ninguém leva a sério quem realmente sofre. O sofrimento se dilui no mar de desculpas “científicas” e justificativas socialmente aceitas. E o que era transtorno legítimo vira mais uma etiqueta de marketing pessoal: “Olha, eu sou distraído, mas é TDH — aceitem-me como sou.”

Aqui vale uma reflexão: estamos evoluindo ou apenas encontrando atalhos para nossa própria preguiça social? Será que a mente humana se adaptou, ou a sociedade simplesmente ficou preguiçosa demais para lidar com gente que não se encaixa nos padrões?

E a ironia final: o que começou como diagnóstico clínico sério virou quase commodity. Uma moeda social. Um atestado de que, sim, você pode falhar — mas com estilo.

Moda ou Epidemia?

Agora, meu caro leitor, respira fundo. Aqui é onde a coisa fica deliciosa de analisar: TDH virou febre ou continua sendo um transtorno real?

Olha só, temos dois fenômenos acontecendo ao mesmo tempo. De um lado, quem realmente sofre com desatenção, impulsividade e hiperatividade, lutando diariamente para organizar a vida sem que o mundo ao redor imploda. De outro, uma multidão que parece enxergar o diagnóstico como carta branca para justificar tudo, tipo: “Não é que eu não estudei, é que tenho TDH, ok?”

O filósofo Byung-Chul Han falaria sobre isso como a sociedade do desempenho, onde tudo precisa ser medido, otimizado e “eficiente”. E se você não consegue acompanhar, bem… agora existe um rótulo científico para explicar que você é apenas humano. Mas convenhamos: será que toda distração é mesmo transtorno, ou apenas reflexo de viver num mundo que exige foco sobre-humano?

Aqui entra a reflexão crítica: ao banalizar o TDH, corremos o risco de transformar sofrimento em modinha. Aquilo que deveria ser sério, clínico e respeitado se torna trend nas redes sociais, como se fosse o “novo preto” da autoestima: “Todo mundo tem TDH, olha que descolado eu sou”.

E a ironia? No fim das contas, o diagnóstico pode revelar mais sobre as demandas e pressões da sociedade moderna do que sobre a própria pessoa. Talvez o que estamos chamando de transtorno seja, em grande parte, a resposta natural do cérebro humano a um mundo impossível de focar.

Ou seja: não é só sobre desatenção, é sobre contexto. E se você se pega buscando justificativa em rótulo para sua bagunça mental, talvez valha refletir se o problema é você… ou se é o mundo que inventou regras impossíveis de seguir.

TDH de Verdade x TDH de Sem vergonhice

Aqui precisamos separar o trigo do joio, ou melhor, o neurônio real da desculpa fashion.

  • O TDH real: a pessoa acorda todos os dias lutando contra um cérebro que parece ter 27 abas do Chrome abertas — todas tocando música ao mesmo tempo. É a angústia de não conseguir terminar o que começa, de se perder no meio de frases, de viver um eterno caos mental que não desliga nem quando ela implora. Essa pessoa sofre, e não tem glamour nenhum nisso. Não é bonito, não é “moda”: é dor, é frustração, é cansaço.

  • O TDH de boutique: aqui temos a versão gourmetizada. Gente que adora dizer “eu tenho TDH” como quem mostra um tênis importado. O discurso é sempre conveniente: “não entreguei porque tenho TDH”, “não sou desorganizado, é o transtorno”. Curiosamente, essas pessoas lembram de postar no Instagram três vezes por dia, sabem maratonar séries inteiras em dois dias e nunca esquecem de pedir o cupom de desconto no iFood. A memória falha só quando convém.

A diferença é gritante: o primeiro grupo busca soluções para lidar com um cérebro que funciona diferente. O segundo grupo busca desculpas para não lidar com a própria preguiça mental e física.

E aí, claro, vem a ironia social: enquanto uns choram de exaustão porque o cérebro não dá trégua, outros se exibem com o diagnóstico como se fosse uma medalha de “sou especial, tenham paciência comigo”. O problema é que esse teatro banaliza o transtorno, transforma dor em caricatura e cria um ambiente onde todo mundo desconfia de todo mundo.

No fundo, é simples: quem tem TDH de verdade luta para viver apesar dele. Quem finge, usa o rótulo para não viver de jeito nenhum.

Tabela: TDH de Verdade x TDH de Boutique

TDH Real TDH de Boutique (Fake)
Acorda cansado porque o cérebro não parou nem enquanto dormia. Acorda cansado porque ficou 6h vendo reels “diagnosticando” a si mesmo.
Se perde no meio de frases, esquece tarefas básicas, trava diante do caos. “Esquece” só o que não quer fazer (trabalho, obrigações, responsabilidades).
Sofre com frustração real, ansiedade, sensação de incapacidade. Usa o rótulo como crachá social: “Me aceitem, eu sou assim”.
Busca terapia, medicação e estratégias para funcionar melhor. Busca likes, atenção e justificativas prontas para a própria bagunça.
Não tem nada de glamouroso: é angústia, é luta diária, é dor. Tem todo o charme do momento: virou trend, virou status, virou “diferencial”.
Quer melhorar apesar do transtorno. Quer justificar tudo através do transtorno.

Como amenizar (para quem tem TDH de verdade)

  1. Estratégias visuais e externas

    • Use agenda, aplicativos, post-its, quadro branco… Não confie na memória, ela é uma traíra.

    • O cérebro esquece, mas o papel não.

  2. Tarefas em micro-passos

    • Não pense em “escrever um livro”. Pense em “escrever o primeiro parágrafo”.

    • O grande inimigo do TDH é o tamanho da tarefa. Encolha até ficar digerível.

  3. Ambiente conta

    • Caos externo = caos interno. Se o lugar tá uma bagunça, sua mente vai refletir isso.

    • Um ambiente limpo e organizado não cura, mas alivia muito.

  4. Apoio profissional

    • Psicólogo, psiquiatra, terapia cognitivo-comportamental, medicação (quando necessário).

    • Não é fraqueza pedir ajuda, é inteligência.

  5. Autocompaixão

    • Você não é preguiçoso, você tem um cérebro que funciona diferente.

    • Aceite os limites, mas não se conforme em viver refém deles.


Como resolver (para quem não tem, mas adora dar desculpa)

  1. Tutorial básico de vida adulta

    • Passo 1: pare de culpar diagnósticos que você não tem.

    • Passo 2: aceite que procrastinar é escolha sua.

    • Passo 3: faça o que tem que ser feito.

  2. Método ancestral: disciplina

    • Não é sexy, não dá likes, mas funciona.

    • Quer resultado? Então vai lá e trabalha. Simples assim.

  3. Pare de romantizar preguiça

    • Não é “minha mente é caótica”, é só preguiça mesmo.

    • Não é “tenho TDH”, é só falta de vergonha na cara.

  4. Seja honesto consigo mesmo

    • Você não esquece de pedir pizza, não esquece de ver série, não esquece de postar stories.

    • Então, meu amigo, talvez o problema não seja memória, mas prioridade.

  5. Último lembrete (com carinho)

    • Se você realmente não tem TDH: levanta e vai fazer.

    • O mundo não vai te dar laudo, mas vai te dar fatura de cartão (que você atrasa na maioria das vezes), boletos, e muita dívida!

Reflexão final: Diagnóstico, desculpa ou alerta?

E aqui estamos, na reta final, você e eu, de frente para o espelho da modernidade. TDH: transtorno legítimo ou desculpa fashion? A resposta, claro, não é tão simples.

O diagnóstico existe, é real e ajuda muita gente a entender seu próprio cérebro e a encontrar caminhos para viver melhor. Mas também não dá para ignorar o fenômeno moderno de modinha do laudo, onde um carimbo científico parece mais uma etiqueta de “eu sou especial” do que um instrumento de cuidado.

O filósofo Nietzsche provavelmente diria que a humanidade sempre busca justificativas externas para suas limitações. Antigamente, eram deuses, destinos ou castigos; hoje, são diagnósticos. O que mudou? Apenas o nome.

Então a reflexão que deixo para você, leitor, é essa: ter TDH não é sinônimo de fracasso, mas usar TDH como desculpa constante, sem se conhecer de verdade, é um atalho perigoso para a autoindulgência. O risco é transformar sofrimento em status, e desafios reais em justificativas fáceis.

E se você acha que isso é só sobre outros, pense: quantas vezes você mesmo já se pegou culpando fatores externos — a preguiça, a distração, a sociedade — ao invés de olhar para dentro? O TDH é real? Sim. Mas a atenção, a disciplina e o foco, essas são ferramentas que ainda precisamos cultivar, cada um à sua maneira, cada um no seu tempo.

No fim, talvez o maior diagnóstico que alguém possa ter seja sobre si mesmo: entender onde a mente realmente precisa de cuidado e onde ela apenas está se adaptando — ou resistindo — a um mundo impossível de focar.

E se você leu até aqui, parabéns: você acabou de fazer algo que, para muitas pessoas, seria “muito difícil por causa do TDH”. Ironia do destino ou simples foco? Isso, meu amigo, só você pode descobrir.